Reencontros de Colégio

Ao ser aberto, as páginas do caderno de lembranças de 1920 a 1950, com capa dura em verde musgo, trazem desenhos detalhados com flores na cor rosa, imagem de Santa Maria, paisagens do mar e da fachada do colégio. Ao folhear cada página, existe vida, saudade.  A técnica do esfuminho e a pintura em lápis de cor encantam os olhos, confunde impressão com desenhos feitos a mão. A caneta tinteiro marcando a folha detalha letras de caligrafias impecáveis das ex-alunas do Colégio Progresso Campineiro.

Quem parte leva saudade...
Quem fica saudade tem...

Nós partimos para a vida, levando nossos corações enevoados pela saudade...
Vós ficam, me álbum amigo, e nesta alva página guardarei com cuidado, esta nossa lembrança,que oculta em cada canto uma recordação e eu cada traço negro uma imensa saudade...
É o que vos pede, o 2° ano profissional
Luisa C. Caimby  e Aracy Mello Coelho

Somos agora lançadas no mar tempestuoso da vida. Mas apesar de sua aspereza, nós a enfrentamos com fé e coragem, pois que já estamos apitas para êste mister esperança de nunca naufragamos.
Que nossa bôa D.Flávia, a quem tudo devemos, ao encontrar esta página, sorria contente de nossa gloria.
Ginasianas de 1939

Palavras vindas do coração, uma tradição da época carregada pela gratidão dos ensinamentos e lições de vida aprendidas no colégio. Emoção ao falar de professoras e diretoras. Cada palavra vai percorrendo como em uma viagem o longo caminho de um tempo jamais esquecido por elas.

O Colégio Progresso Campineiro foi criado para expressar a cultura escolar da elite provinciana de São Paulo. A Igreja, sempre presente, aparece como reserva moral legitimada pela sociedade em internatos até os anos 60. Terezinha chegou de malas aos 10 anos, em 1947. O pai, fazendeiro da cidade de Itatiba (SP), a trouxe para proporcionar ensino diferenciado. A interna do colégio ficou até completar o Normal, em 1955.

Dois anos de convívio renderam experiências para Norma. Em 1954, deixou São Paulo e veio morar com a tia viúva Amélia em Campinas. Conviveu com o mau humor e os rigores da tia, mas conheceu Terezinha, a interna mais travessa daqueles tempos do Progresso.

 

Encontros

Todos os anos elas se vêem, se abraçam, dão risada; contam as dificuldades, os problemas de família, seus novos desafios. A reunião tem época e local marcados; no final do ano, na casa da ex-aluna Marisa. Como em sala de aula é um dia para colocar a fofoca em dia, recordar e viver os bons tempos da juventude que não voltam mais, e elas nem querem, o importante é a troca de lembranças. Norma de Oliveira Olmos, Terezinha Silveira Moraes, Marisa de Campos Pupo Nogueira, Marilene Doll Ahnert, Maria do Carmo Correa do Amaral, Maria Arminda Fernandes Serra e Maria Regina de Almeida Auricchio, um grupo seleto de ex-alunas confidentes.

A memória é apurada, precisa. Entre um café e outro, Terezinha com açúcar e Norma, com adoçante, as histórias são contadas não como capítulos de livros, mas como uma boa rádio novela, com ruídos, efeitos sonoros e enredo.

Os óculos de grau, com cordinha em pedras brancas imitam pequenas pérolas, blazer e calça azul marinho, com batom escuro, uma formiguinha atômica. Terezinha ao falar do colégio lembra do lema: com fé, esperança e caridade.

Com os cabelos na mesma cor, marrom claro, as duas marcam com a primeira impressão, a vaidade. Colar de bolas pretas e terninho preto com detalhes no corte em branco, Norma traz elegância de professora no andar calmo, imponente de autoridade.

Sempre juntas, elas se entusiasmam ao contar a última festa, em que foram surpreendidas com a presença do cantor Aguinaldo Rayol. Suspiros e competição para ver quem conta a melhor versão do encontro. Enfim, as duas subiram no palco. Terezinha levanta, arruma a encharpe e mostra o abraço que deu no ídolo. Norma correu atrás. Só se contentaram depois do flash.

Foi um sonho, adoro ele, agarrei e dei um beijo
Eu sou fã desse homem, é lindo. Foi demais.

 

Amizade

Há 51 anos, se preparavam para receber o canudo e assim selar uma amizade que dura até hoje. O elo se fechou no dia 15 de dezembro de 1955. A formatura simbolizou a busca por conquistas pessoais e profissionais. Casamento, filhos e netos. Profissão, a mesma, professoras. Aposentadas, disputam como locutores disputando para ver quem consegue lembrar mais histórias. Na fala ansiedade e descontração, lembranças que acompanham risos e abraços o tempo todo.

A união não se encerrou no dia da formatura, um outro encontro marcou a vida das duas colegas de Colégio. Na maternidade de Campinas, no ano de 1963, as duas se encontram, tiveram seus filhos, Norma no dia 8 de junho e Terezinha no dia 9. Já os maridos apresentados às normalistas tornaram-se amigos. Terezinha ficou viúva em 1979, Norma em 1983. Voltaram juntas, como na adolescência, a freqüentar festas, além, é claro, das reuniões anuais.

 

Mulheres que sonham

Norma não sonhou, virou manchete no ano de 1954 em Campinas. Aos 18 anos, antes de se formar foi a primeira mulher a tirar carteira de motorista na cidade. Para praticar e desfilar pelas ruas, pegava emprestado da tia o carro que era usado pelo tio que faleceu. Luxo ou ousadia? Para ela, orgulho e feminismo. Uma professora a frente, no auge dos seus 70 anos. Mulher voltada à tecnologia, com site de relacionamento (orkut), msn e que não fica sem acessar a internet.

Você tem site? Agora que me aposentei elaborei um projeto para não ficar em casa, vou dar aulas de informática para alunos carentes. Sabe, inclusão digital.

Trim-trim...  toca o celular de Terezinha.

Licença. Preciso atender é trabalho, um batizado para fotografar no sábado.
A senhora gosta de fotografia?
Adoro, mas virou profissão, aqui o meu cartão.

Um cartão branco, “Fotografe” escrito em azul, abaixo o nome de Terezinha e os contatos para batizados, casamentos e eventos.  Com o valor pequeno da aposentadoria, Terezinha precisou descobriu uma saída para aumentar a renda e ocupar o tempo, descobriu no prazer de fotografar o que procurava há tempos. Enquanto olha as fotos do colégio da década de 50, comenta que nos finais de semana dificilmente está em casa.

 

Visita pelo colégio

E o Joaquim, ele ainda está aqui?
Sim, vou levá-la para vê-lo.
Eu segurava a mão dele e começava a dançar pela sala. A gente corria para encontrar ele.

Ao encontrar Joaquim a emoção, a mão vai até o peito, como se estivesse se contendo e ela corre para encontrá-lo.

 Joaquim, quanto tempo?

Ele mostra os sinais do tempo... ossos amarelados, mas permanecem do mesmo jeito. O arame liga osso por osso e dão forma ao famoso Joaquim, esqueleto quase centenário das aulas de Ciências. Ao encontrar o amigo, Terezinha lembra da festa que elas faziam nas aulas, Norma confirma. Uma contagiante nostalgia fica evidente no rosto das duas.
Ao lado da sala, a escada de sete degraus, que interliga o térreo ao primeiro andar do colégio traz uma série de imagens, um filme. Elas escorregavam pelo corrimão de pedra preta, sempre escondidas das vigilantes. Disposição de adolescente, uma volta ao tempo.

As aulas de ciências realmente acabam trazendo cheiro de formol e ácidos. Norma não esquece quantas rãs o marido, na época namorado, pegava para ela trazer para as experiências de desecção dos órgãos dos animais. Na mesma sala, hoje um aquário com girinos é caso de estudo dos alunos da 6ª série do ensino fundamental, eles estão acompanhando o crescimento dos anfíbios. Já nos tempos de Norma, o estudo era real, preciso abrir os corpos para entender de autonomia.

Ele pegava em pescarias, no mato mesmo e eu trazia ainda vivas para as aulas, era muito divertido.

Enquanto passávamos pelos corredores ela contava suas experiências de ciências, mas quando entrou no anfiteatro, Norma não conteve a alegria, imediatamente lembrou dos filmes que as 37 alunas do magistério assistiam. Muito silêncio e cenas proibidas.

Ai, que saudade deste auditório, do cineminha que as professoras passavam para a gente, o filme era projetado deste lado direito, na parede. Quando tinha algum beijo, elas tapavam a frente do projetor.

Ao descer a centenária escada, antes de madeira, hoje, de piso amarelo, os passos encontrar uma porta de ferro, com vidro original. A porta interliga o saguão do colégio com o pátio.

Essa porta aqui me traz lembrança das cartinhas que a gente recebia. A vigilante chamava a aluna para vir buscar.
É mesmo, sempre tinha uma aluna que corria para apanhar.

As vigilantes com a carta nas mãos, já aberta e lida pelas superioras, era somente entregue durante o recreio. Ao ver o papel nas mãos, as alunas corriam para saber das novidades fora do colégio.

 

Castigo 1

Aos 10 anos, o castigo de Terezinha marcou sua vida no 1° ano que estudou no Colégio. Ela dormia no chamado dormitorizinho, onde ficava sua cama e de mais nove colegas. O dormitório ficava no 1° andar, no final do corredor que dava acesso ao pátio e tinha uma extensa varanda. Hoje, está coberta, no quarto, ao invés de camas emparelhadas, carteiras, uma atrás da outra. Um dia Terezinha foi pega de surpresa, não pode sair para o passeio de domingo. Tinha pulado o bambu da cerca do pomar para apanhar as frutas que gostava uvaia e amora.

Depende da gravidade do delito era aplicado um castigo, fiquei algumas vezes sem recreio. Tinha que ficar no refeitório.

Não cumprir os horários impostos acarretava castigos também. As alunas tinham uma rotina rígida, cheia de detalhes.

Nós acordávamos às seis da manhã, tínhamos que tomar banho em três minutos. A vigilante ia batendo de porta em porta para avisar do tempo encerrado. Ela cumpria o horário e desligava o registro. A gente não podia reclamar.

 

Castigo 2

A voz grossa e o porte da diretora Amélia Pires Palermo, deixava Terezinha de perna mole. O medo era da expulsão e não ter onde estudar. Mas, na hora de aprontar ela não lembrava desta possibilidade. Aos 13 anos, na semana do seu aniversário, ela aprontou mais uma vez. Durante a fila que se formava para o café da manhã, logo após a missa sempre na capela do colégio, obrigação diária, a aluna resolveu brincar com as colegas.

Aproveita para levantar e demonstrar como fez. Ela empurrava a colega da frente impulsionando o joelho para frente fazendo um boliche na fila, lembrar a fez rir por minutos. Na época a repressão marcou mais uma vez sua vida no colégio. Véspera da viagem. O nome de Terezinha não estava na lista das alunas que iriam sair. Castigada, não pode comemorar seu aniversário com a família em Itatiba.

Perdi o direito de sair. Armei um pampeiro, chorei muito. Minha mãe ligou aqui para saber por que não fui para casa. O prêmio de consolação foi um bolinho que minha mãe trouxe para eu comer com minhas coleguinhas.

Ela abaixa a cabeça, respira fundo e com os olhos cheios de água diz que mesmo com os castigos tem paixão pela Dona Amélia, ex-diretora do colégio ainda viva.

 

Castigo 3

Deixa eu contar uma travessura que ninguém soube que fui eu.
Essa é ótima, Terezinha. Não teve castigo.
Teve sim, todas foram punidas por causa de mim.

Uma das vigilantes, que Terezinha nem lembra o nome, por não gostar dela na época, diz que implicava todos os dias com tudo que a interna fazia. Um dia resolveu armar um susto para a vigilante no momento de todas dormirem.

Depois de terminada a oração noturna, “Louvado seja o senhor Jesus Cristo”. “Para sempre seja louvado”, todas iam se deitar. No momento que a vigilante se deitou, um grito.

Terezinha que havia guardado a sobremesa do jantar, uma banana, aguardava ansiosa pela reação da vigilante ao deitar. Depois que as luzes se acenderam, a surpresa todo o lençol da cama estava sujo de banana. Castigo para todas do quarto, Terezinha por sorte conseguiu escapar, seu nome estava na lista de saída para casa do dia seguinte.

 

Se as paredes falassem

Neste mar de recordações, as histórias vêm e vão, como as ondas, as lembranças invadem a memória e apertam o coração de saudade. A visita ao colégio numa sexta-feira de sol, na sala onde hoje funciona o departamento de comunicação do Colégio, mexeu com os cinco sentidos. O primeiro choque: ver os armários e as cadeiras restauradas. Quando se sentaram na cumprida mesa de 20 lugares sempre ocupada pelas professoras e diretoras na época, identificação.

Para Terezinha o almoço estava servido, a mesma cadeirinha que se sentava há mais de 50 anos atrás voltava a receber a aluna. Antes da refeição, o agradecimento “Abençoamos Senhor os alimentos que vamos tomar”.

A chefe, uma aluna mais velha, servia cinco colegas e só depois fazia o seu prato, toda a ação em silêncio, sempre com muita verdura. A moringa de barro ficava no centro das mesas de cada grupo, ao final, a chefe reunia todos os pratos e levava até a cozinha para a Dona Zefa, a cozinheira oficial.

Tínhamos que puxar a cadeira assim, sem nenhum barulho, arrastar nem pensar. Tínhamos que aproximar lentamente a mesa sempre com postura reta.

Terezinha fez toda a ação da mesma forma, rezou, puxou a cadeirinha de madeira em tom escuro e obedeceu a aluna mais velha, que ficava na ponta da mesa. Uma aula de tradição e boas maneiras.

O estômago até podia reclamar, mas era preciso esperar o recreio, pontualmente às três da tarde para que ela pudesse comer as jabuticabas que a mãe enviava da fazenda. Todos os agrados de “comida” ficavam em um baú, acessório indispensável pedido na lista juntamente com pedidos de lençóis, toalhas, escovas... era fechado com chave e só poderia ser aberto durante o intervalo da aula. O baú ficava em uma prateleira próxima a cozinha. A fome de Terezinha tinha que ser controlada, muitas vezes, as frutas iam para o lixo, já que estragavam ficando trancafiadas a sete chaves.

 

Saudades

Cantar sempre foi o forte de Terezinha, o pam-pam-pam no final dos hinos também lhe renderam castigos. Norma começa a lembrar o refrão. O hino do colégio, composto pelo professor de música, Luis de Pádua, era a primeira coisa que as alunas tinham que aprender. Ao pegarem a partitura, suspiros. A mente começa a trabalhar a todo vapor, querem cantar... As primeiras estrofes saem com as quatro mãos batendo na mesa procurando o tom... Tum-tum-tum...

Salve o Colégio Progresso... Chego a me arrepiar! Quantas vezes a gente cantou esse hino?
Se duvidar todos os dias.
Um, dois, três...

Oh! Deus supremo e bom.
Na sua divina graça
Enviou do céu um anjo
Com a flor da esperança.

E a legenda por lembrança
Traçou na esfera sutil
Da nossa Pátria querida
Santa imagem, santa imagem do Brasil.

Salve o Colégio Progresso
Doce farol do coração
E na cruzada do saber
Surge o sol da instrução.

Teu seio gigante da fé
Invocando inspiração
Transforma flor em fruto
Do futuro doce visão.

Avante, Avante, Avante
Avante, gentis companheiros,
Levantemos o nosso vôo
Qual a bela águia do Andes
Abrigados no mesmo templo

Unidos na mesma fé
Cantaremos alegres, oh mocidade!
Entoando a Deus hosanas
Com fé, esperança e caridade.

Durante o canto, correram o olho para o papel para lembrar da letra apenas três vezes. Brilho nos olhos, nostalgia e memória afiada. A entonação correta deu voz ao hino mais uma vez.

 

Aniversário de 50 anos

Em todas as festas e comemorações o gogó já estava preparado para exaltar o hino do Colégio. Na comemoração do cinqüentenário da instituição, Terezinha foi convidada a  oferecer um presente ao colégio. Limpar vidros e batentes das grandes janelas do 1° andar. Com as colegas passou o dia todo com pano e vassoura nas mãos. A compensação veio no domingo, do dia 07 de outubro de 1950. Após a missa campal com o bispo Dom Paulo de Tarso Campos, as 200 internas tiveram um churrasco no pátio central reunindo pais e familiares. Alunas arrumadas, uniforme branco de linho, saias até os joelhos com pregas na cor cinza, meia de seda cor da pele e o sapato de verniz preto.

Peguei ódio de sapato de verniz, nunca quis comprar um.
Eu adorava o uniforme e meu sapatinho de verniz preto, vinha toda arrumada para o colégio.
A Norma nunca prestou.
Mas, saiba que casei virgem.
Eu também, mas perdemos tempo, se fosse hoje, seria diferente, né?

As risadas logo a fazem a mudar de assunto começam a folhear as fotos do álbum do aniversário do Colégio.

 

Aniversário de 100 anos

Norma não acompanhou os 50 anos do colégio. Mas, em 2000 fez questão de telefonar para as colegas e comunicar a festa de 100 anos do Colégio, anunciada no Correio Popular. No dia 08 de outubro, Norma, Terezinha, Marisa e companhia vieram para a missa de ação de graças na capela São Luiz Gonzaga e almoçaram na festa para mais de quatro mil pessoas, entre convidados, alunos, ex-alunos, professores, funcionários e autoridades. Aproveitaram para percorrer os corredores e andar pelo pátio procurando as árvores centenárias, as mangueiras e as jabuticabeiras. Na despedida, viraram de costas a imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, que ficava no alto da porta ao lado a capela. Momento de travessura para marcar a passagem delas pelo Progresso novamente. Desde então há seis anos, Terezinha e Norma voltaram em 2006 para contar suas artes, histórias e experiências no colégio....

 

Documentos encontrados

Há dois anos toda a riqueza do Colégio foi descoberta por desbravadores da história, amantes da cultura e da preservação da memória. São José, Nossa Senhora Maria Auxiliadora e a Virgem Maria que vigiavam as pessoas que se aproximavam das riquezas de um passado trancado na sala ao lado direito da sacristia da capela São Luiz Gonzaga, com uma porta de madeira escura quase imperceptível.

Ao abrir a porta, caixas de papelão uma sobre a outra estavam acumulando em meio a poeira relatos, fotografias e documentos do Colégio Progresso Campineiro de 105 anos.

Muita poeira, que permanece nos documentos. Mas, eles voltaram a ter vida a partir deste ano nas mãos das historiadoras da Unicamp. As fotografias foram parar nos arquivos do computador e as curiosidades começaram a ser desvendadas. Uma pequena sala nos fundos do prédio guarda hoje a maior riqueza do colégio, a sua história.

Os objetos retratam uma escola imponente, da elite, documentos como a lista de materiais exigidos, entre eles, lençóis, travesseiros, ou mesmo os pratos usados nas refeições com os emblemas do colégio mostram a tradição que se imperou na Avenida Júlio de Mesquita. Algumas preciosidades encontradas hoje são peças raras, guardadas como jóias são os livros de cânticos, o livro sobre a história sagrada de 1897, cartas de familiares às alunas internas. Já o conteúdo de cartas entre a diretora Emília de Paiva Meira e os padres apontam os problemas vivenciados dentro do colégio e os conselhos dos religiosos na administração da instituição educacional. O primeiro livro de matrícula de 1900 aponta a primeira aluna Odila Maia, filha de Orozimbo Maia, advogado e político influente de Campinas construiu o Colégio Progresso de presente para a filha de apenas nove anos, ela e mais dez alunas com idades entre 09 e 16 anos foram as primeiras internas do Colégio. 

Ao abrir pastas e caixas são encontrados papéis envelhecidos, alguns parecem que irão se desmanchar ao serem tocadas e outros estão rasgados, matérias e propagandas do colégio mostram versões controversas sobre a história do colégio, documentos preciosos, principalmente para pesquisas. Um deles, de capa dura e preta, lembra uma bíblia, mas é o Manual da Pia União das Filhas de Maria, com rituais próprios da congregação de senhoras religiosos. A aluna Maria Clarice Marinho Villac resolveu contar como era sua vida de interna e lançou o livro, Clarice no Colégio, que chegou a ser publicado, em 1939 e reeditado em 1979.

Em uma caixinha de papelão já amarelada com os dizeres escritos com uma caneta verde: Santinhos, logo abaixo, lembranças do Colégio foram encontrados diversos santinhos, uma coleção de alunas e da ex-diretora Dona Julie. Foram catalogados 80 santinhos, alguns como os da Madre Maria Mazzarello e de Don Andréa Beltrami apresentam um fiapinho de pano envolvido por um plástico, pedaço de roupa usado por santos, prática de culto.

Os trabalhos manuais sempre fizeram parte da rotina das alunas no colégio, um exemplo é molde com o trabalho em ponto cruz, encontrado numa outra caixinha de papelão, o bordado, ordem crescente de números e letras do alfabeto. Se a tarefa era difícil nada como um livro para tirar as dúvidas, de capa azul, do ano de 1938, o manual revela detalhes da arte da costura, passo a passo, o bordar.  Para as alunas que sabiam ler em alemão, o livro de 1953 trazia até desenhos de máquinas de costura para auxiliar a costurar.

Um momento marcante foi a crise do café, que afetou a elite do Estado de SP. A derrocada do café leva a crise econômica na década de 30 e na revolução de 32 o colégio participa ativamente como base de apoio das tropas paulistas em combate. As aulas foram transformadas em serviços de costura de uniforme, armazenamento e controle de mantimentos e remédios para os feridos no conflito.

A imponência do prédio de mais de 100 anos não é apenas por fora com suas grandes janelas de vidro, os móveis resistiram várias décadas... Mesas de madeira nobre com mais de oito lugares, cristaleiras com três divisões e estantes de peso superior a 100 quilos já estavam sendo ocupadas por cupins. Graças a uma boa intenção e dinheiro investido, os móveis acabaram saindo do Colégio, indo para a cidade de Dourado (SP) e passaram por uma verdadeira cirurgia de restauração. Hoje voltaram a ocupar seus lugares pelo Progresso.

 

Memorial

Todo esse tesouro histórico “perdido” foi encontrado e incorporado ao projeto da Casa de Cultura e Cidadania METROCAMP, surgiu o Memorial do Colégio Progresso, idealizado por Sílvia Coelho, junto a sua coordenadora, Maria Lúcia Canecchio Ribeiro, ex-diretora do Colégio. No início deste ano uma importante parceria com o Centro de Memória da Faculdade de Educação da UNICAMP para o desenvolvimento efetivo do Memorial do Colégio Progresso. O projeto de Pesquisa Memórias da Educação Escolar, de levantamento de fontes e a organização dos arquivos históricos escolares escolheu o Colégio Progresso Campineiro para a primeira fase do projeto, por isso a parceria com a METROCAMP, mantenedora do Colégio. O Projeto tem a aprovação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico- CNPq.

 

A história continua

Com o surgimento do memorial, foi possível encontrar Terezinha, Norma e tantas outras ex-alunas do Colégio Progresso Campineiro. O site criado para o Memorial, com design em cores no tom azul escuro e letras trabalhadas traz a exposição da coleção de santinhos, os projetos em andamento e mais do que isso, a associação de ex-alunas das décadas de 20 até 2005, com os nomes dos formandos. Um caminho tecnológico de aproximação, e porque não, de troca de afeto entre alunos. A história do colégio permanece viva nas lembranças e nos documentos. Já as contribuições à educação, vão além, unem pessoas e sentimentos.

 

 

 

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